Estudo da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) feito em parceria com o Boston Consulting Group (BCG) revela que os veículos brasileiros têm a menor pegada de carbono do mundo quando avaliado o ciclo de vida de automóveis, caminhões e ônibus. O resultado mostra que o Brasil pode intensificar o uso dos biocombustíveis para reduzir emissões de gases de efeito estufa enquanto a eletrificação ganha escala no país. Além disso, demonstra que o avanço da descarbonização no Brasil depende da cadeia completa, com melhorias de desempenho na produção de insumos, por exemplo.
O trabalho, intitulado “Caminhos da Descarbonização: a pegada de carbono no ciclo de vida do veículo”, calculou de forma inédita as emissões de CO2 em todo o ciclo de vida do veículo fabricado no Brasil, comparando-as com as de veículos produzidos em outros países. A pesquisa foi desenvolvida ao longo deste ano e usou como referência as emissões de veículos leves e pesados equivalentes, rodando no Brasil e nos principais mercados do mundo: União Europeia, Estados Unidos e China.
O cálculo leva em consideração a pegada de carbono desde a extração das matérias-primas, passando pela produção dos insumos, montagem dos veículos e distribuição, até chegar ao seu uso e descarte. O conceito, conhecido tecnicamente como “do berço ao túmulo”, é a forma mais completa de aferir a emissão de gases do efeito estufa. O Programa Mover prevê o cálculo da pegada de carbono no ciclo de vida como critério a partir de 2027 para a concessão de incentivos visando a descarbonização da frota brasileira.
O Brasil leva vantagem frente aos principais mercados do mundo devido à matriz elétrica nacional, composta por 90% de fontes renováveis – hidrelétricas, eólica, solar, biomassa – e à matriz energética 50% renovável. Esses fatores têm impacto em toda a cadeia, seja na fabricação dos veículos, na emissão durante o uso ou até na recarga de modelos elétricos, por exemplo. Com isso, veículos produzidos e utilizados no país têm pegada de carbono menor. Outro fator determinante para o bom resultado brasileiro é o uso em larga escala dos biocombustíveis, reflexo da presença expressiva de veículos flex na frota nacional.
“Combustíveis renováveis são eficazes para uma estratégia imediata de descarbonização. A eletrificação ainda está em processo de aceleração, mas o Brasil já conta com uma significativa parte de sua frota beneficiando-se do uso de biocombustíveis, o que aparece de forma clara no resultado do estudo. O trabalho revela também as discrepâncias nas emissões de veículos da mesma tecnologia em diferentes países, com o Brasil se posicionando como um líder global quando falamos das frotas mais limpas”, destacou Igor Calvet, presidente da Anfavea.
De acordo com avaliação da pegada de carbono no ciclo de vida, os veículos com as menores taxas de emissões de CO2 no mundo são os fabricados no Brasil que rodam aqui utilizando etanol – sejam híbridos ou a combustão. Eles só rivalizam com modelos 100% elétricos quando fabricados no Brasil com bateria ocidental. Esse tipo de veículo, no entanto, por ora não reflete a realidade do mercado brasileiro.
Os elétricos chineses emitem mais CO2 frente a quase todos os tipos de veículos brasileiros, perdendo até para modelos a combustão que utilizam etanol. Atualmente, os veículos movidos a combustível fóssil utilizados na China apresentam a maior pegada de carbono entre todos os tipos de veículos analisados.
Os dados evidenciam os motores flex como um diferencial global da frota brasileira. Os biocombustíveis destacam-se como ferramenta para promover a descarbonização no médio prazo, especialmente para caminhões rodoviários, onde a eletrificação ainda é restrita a modelos de curta distância.
O Brasil encontra-se, portanto, em uma posição única para liderar a descarbonização em sua frota, mas também para exportar sua tecnologia flex e know-how em bioenergia parao mundo.
Além de calcular os impactos por tipo de motorização e por país, o estudo comparou em que momento do ciclo de vida mais se emite CO2. Os automóveis a combustão apresentam entre 87% e 91% de suas emissões durante o uso. Nos eletrificados, essa taxa cai para 53% a 57%, sendo que a produção, em especial das baterias, representa quase a metade das emissões.
No caso dos caminhões e ônibus a diesel, mais de 94% das emissões ocorrem durante a utilização, fazendo com que quase todo o potencial de descarbonização seja colocado no maior uso de biocombustíveis.
Para caminhões urbanos elétricos rodando no Brasil, as emissões no uso caem para 33%, ante mais de 70% nos outros mercados, devido à matriz limpa nacional. Ônibus elétricos também emitem mais na fase de produção dos insumos, sobretudo da bateria.
POTENCIAL DE DESCARBONIZAÇÃO – A vantagem que o Brasil tem hoje em sua matriz elétrica tende a ser reduzida nos próximos anos, dados os investimentos de outros países, sobretudo China e Europa, na redução do uso de energia térmica e aumento de fontes hídricas, solar, eólica e até nuclear. Já a matriz energética é uma vantagem brasileira difícil de ser superada, em função das condições que favorecem o cultivo e a tecnologia para produção de biocombustíveis.
Para os veículos a combustão ou híbridos, o maior potencial de redução na pegada de carbono vem da qualidade e do maior uso dos biocombustíveis. Em seguida vem o ganho de eficiência da motorização.
Já para os elétricos, o corte de emissão de CO2 depende de três fatores: uso de energia de fontes renováveis, baterias mais limpas e ganho de eficiência nas baterias (menores, com maior autonomia e durabilidade).
“O Brasil já parte de uma pegada de carbono menor, sustentada por uma matriz elétrica renovável e décadas de experiência no uso de biocombustíveis e frota flex. O estudo qualifica este ponto de partida e mostra o potencial de redução futura ao avançar em ganhos de eficiência ao longo das diferentes etapas da cadeia produtiva e de uso. São caminhos que permitem ao país acelerar sua jornada de descarbonização automotiva e permanecer na vanguarda global”, explica Masao Ukon, diretor executivo e sócio-sênior do BCG.
Para o presidente da Anfavea, o novo estudo deixa claro que a descarbonização depende da cadeia completa. “Os fabricantes vêm se esforçando há muitos anos para reduzir a pegada de carbono, tanto nos processos industriais como na eficiência dos veículos. Essa mobilização deve ser estendida para toda a produção dos insumos, o chamado ‘berço’, e também para as operações de descarte e reciclagem, que têm grande potencial de descarbonização ao estimular a renovação de frota e o aproveitamento de materiais reciclados”, destaca Igor Calvet. “O conjunto desses achados será a grande contribuição da Anfavea para as discussões sobre a descarbonização do setor automotivo durante a COP30, nas próximas semanas,em Belém”, conclui.